Boletim_3111
Entendimento Jurisprudencial
entendimento até então consolidado quanto à hediondez do crime de tráfico privilegiado, na esteira do que decidiu o nosso STF. Digno de nota que esse posicionamento também repercutiu na impossibilidade de se re- conhecer a reincidência específica, para efeitos de concessão de livramento condicional, sen- do inaplicável o inciso V do art. 83 do Código Penal, pois as regras para progressão de regi- me e para concessão de livramento condicional são distintas. Com efeito, para fins de progressão de re- gime, a lei prevê patamares de cumprimento de pena, conforme o condenado seja, ou não, reinci- dente (2/5 para o primário e 3/5 para o reincidente genérico, conforme legislação em vigor até a en- trada da Lei Anticrime), ao passo que, para a con- cessão do livramento condicional, nos crimes de tráfico, o sujeito teria que cumprir mais de 2/3 da pena, observando-se que a reincidência específi- ca, nestes crimes, inviabiliza a concessão. Cabe observar, contudo, que mesmo já ha- vendo entendimento pacificado no STJ pela não hediondez do tráfico privilegiado, em consonân- cia com o entendimento do Supremo, diversas decisões proferidas pelos tribunais inferiores simplesmente se recusaram a acatar a posição dominante, ensejando uma situação de antino- mia na aplicação do Direito, pois se aos Tribunais de Sobreposição incumbe a tarefa de uniformi- zação do Direito, parece um tanto quanto con- traproducente – e atentatório ao princípio da segurança jurídica – que tribunais inferiores pos- sam desconsiderar as decisões majoritárias das Cortes Superiores. A título ilustrativo citam-se os julgados: TJSP, 4ª Câmara Criminal, Agravo em Execução nº 0016030-26.2019.8.26.0041-SP, Rel. Des. Lauro Mens de Mello, j. 28/11/2019, v.u.; TJSP, 15ª Câmara Criminal, Agravo em Execução nº 0005993-30.2019.8.26.0496-SP, Rel. Des. Cláudio Marques, j. 28/11/2019, v.u. Importante pontuar que o entendimento ju- risprudencial das Cortes Superiores quanto ao caráter não hediondo do tráfico privilegiado, recentemente, acabou sendo positivado em lei, tendo sido incluído pela Lei nº 13.964/2019, cristalizando, assim, em norma jurídica o en- tendimento pacificado da jurisprudência dos Tribunais Superiores. Com isso, colocou-se uma pá de cal na resistência dos tribunais inferiores em observar a posição adotada pelas instân- cias superiores. Portanto, com a entrada em vi- gor da Lei Anticrime, tais decisões poderão ser revistas, visto o caráter mais benéfico ao acu- sado ( novatio legis in mellius ) e, portanto, com
retroatividade garantida, na linha do que dispõe a própria Constituição e o Código Penal. Outra questão relevante, quanto à individuali- zação da pena, é que o STF reconheceu o direito de o condenado por tráfico ter a possibilidade de iniciar o cumprimento de pena em qualquer regime, podendo também ter a pena privativa substituída por restritivas de direito, reconhe- cendo a inconstitucionalidade dos dispositivos que proscreviam esses direitos: STF, ARE nº 1052700, Rel. Min. Edson Fachin, j. 2/11/2017. Por fim, importante ponderar a situação do art. 28 da Lei de Drogas, que trata sobre o por- te de substância entorpecente para consumo próprio, sendo que, em razão da pendência do julgamento, no STF, do RE nº 635.659, quanto à atipicidade da conduta, ainda há muita contro- vérsia a seu respeito, em especial se a condena- ção por tal tipo gera reincidência. O entendimento ainda não está pacificado no STJ. Com efeito, trabalha-se com a seguinte linha de raciocínio, fazendo-se uma analogia in bonam partem : como as contravenções, puní- veis comprisão simples, não geram reincidência, não haveria razão para condenações, pelo art. 28 da Lei nº 11.343/2006, gerarem, haja vista que nem sequer são condutas puníveis com pena privativa. De toda forma, como não há pacifica- ção quanto a este entendimento, são muitas as decisões de tribunais inferiores que a recusam, podendo-se citar: TJSP, 10ª Câmara de Direito Criminal, Agravo em Execução nº 0004998- -12.2018.8.26.0509-SP, Rel. Des. Rachid Vaz de Almeida, j. 28/3/2019. Esclarece-se que, com a entrada em vigor da Lei nº 13.964, de 24/12/2019, apelidada de Lei Anticrime, várias alterações foram promovidas nas regras de progressão de regime e de con- cessão do livramento condicional, sendo certo que as decisões comentadas aqui foram prola- tadas anteriormente à sua vigência. De toda forma, parece que a novel legislação, em muitos casos, recrudesceu tais institutos, ao modificar o art. 112, inciso VI, alínea a , e inciso VIII, da Lei de Execução Penal, passando a vedar o livramento condicional para os condenados por crime hediondo ou equiparado, com resulta- do morte. Entretanto, em outros momentos, pa- rece ter previsto o que os tribunais já decidiam a respeito, na esteira do que aconteceu com a inclusão do § 5º. Ainda é cedo para antecipar como os tribu- nais passarão a decidir, mas, certamente, naqui- lo em que melhorar a situação do réu, deverá retroagir para alcançar fatos passados.
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BOLETIM Nº 3111 | AASP
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